O círculo vicioso do ódio requer resiliência e compaixão
“Caras como ele tem apenas três opções: morrer jovem, passar a vida na prisão ou falar tudo o que sabem”. A frase de Daryle Jenkins (Mike Colter) em Skin: À Flor da Pele retrata os destinos possíveis àqueles que incitam o ódio em meio a grupos extremistas – sejam eles quais forem. E, curiosamente é justamente essa última opção que parece mais inatingível – ao menos para aqueles que carregam ódio em seus corações.
Baseado em uma história real, o filme dirigido pelo israelense Guy Nattiv (Magic Men) acompanha a histórias de Byron Widner (Jamie Bell), um jovem criado em meio a uma célula supremacista branca que cresce com um ódio enraizado sem nem mesmo saber ao certo o motivo disso. É quando Julie Price (Danielle Macdonald) e suas três filhas cruzam o seu caminho que ele decide que talvez seja a hora de levar uma outra vida, mas não é tão fácil abandonar tanto ódio da noite para o dia.
Uma jornada de desconstrução
Skin: À Flor da Pele é um filme nervoso e a tensão se faz presente em cada momento. Desde os conflitos de fato, quando skinheads agridem negros nas ruas, até os momentos de intimidade no lar “nórdico” controlado por Fred Krager (Bill Camp) não há sensação de paz. A direção transmite essa sensação com um câmera que parece sempre estar em movimento, arisca, sem dar tempo para que o espectador tome um fôlego.
A proposta aqui é nos colocar na mente doentia de Widner, mas não só isso: o filme busca compreender as raízes de sua formação para compreender por qual motivo alguém chega à idade adulta daquela forma. Jamie Bell (Billy Elliot) constrói aqui um personagem singular, capaz de transmitir cada uma das nuances dessa transformação, ainda que isso signifique abandonar “tudo o que tem”.
Intensa e incômoda, a trilha sonora leva o espectador a um mergulho no submundo racista, mostrando que os leões de chácara, no fundo, são meros joguetes de mentes doentias e manipuladoras, que ambicionam apenas poder e dinheiro às custas da dignidade de quem não tem nada a perder.
A cena de recrutamento de um jovem faminto para integrar o bando ilustra bem esse cenário. São homens que nada tem, em busca de alguma representação paterna ou de poder, e que acabam encontrando no sentimento de pertencimento a um grupo, por mais odioso que ele seja, um caminho para “crescer” – ainda que isso signifique matar inocentes sem ao menos pensar por um segundo sobre essas razões.
Um caminho para a salvação
Quem bate esquece, quem apanha não. O ódio desenfreado dos skinheads, obviamente, em muitos momentos faz vítimas entre os negros: pessoas normais, sem aspirações à violência, mas que se veem imbuídas de um ódio e revanchismo na busca por vingança a qualquer preço. Sem julgamentos, parece difícil não retroalimentar esse círculo vicioso.
É onde entra o papel de Daryle Jenkins, na vida real um homem negro que, com paciência e sabedoria, conseguiu fazer com que diversos skinheads deixassem essa vida de lado em troca, é claro, de informações que pudessem levar àqueles que realmente são os cabeças desses movimentos.
Mais do que uma “missão de fé”, Jenkis escancara com suas ações que responder a ataques de ódio, em linhas gerais, não leva a nada além de mais ódio. É justamente quando alguém rompe esse círculo que algo de bom – ou diferente – acontece. Convenhamos, esse provavelmente é o mais difícil dos caminhos, ainda que mais óbvio, mas poucos conseguem escolher essa opção.
Não desistir parece ser a principal mensagem. Ainda que tudo e todos conspirem para manter vivos ódio e desprezo enraizados sem razão alguma de ser, sempre haverá aqueles poucos abnegados que insistirão em fazer diferente e manter a esperança de justiça viva.
Skin: À Flor da Pele se perde em alguns momentos no seu próprio ritmo caótico, acrescentando desafios a Widner apenas a fim de fazer sua provação parecer mais difícil. Como se a transformação que vemos, marcada na pele, não fosse suficiente. Com mais acertos do que erros, o mérito da produção é de conseguir passar a sua mensagem e homenagear em vida alguém que ajudou a salvar vidas – o que, convenhamos, não é pouca coisa.
Nota 7.
Sinopse
Byron Widner é um jovem que foi criado em meio a uma célula supremacista branca. Junto com seus amigos ele comete atos de violência contra negros, estrangeiros e outras minorias. Em um evento em prol da cultura nórdica ele conhece Julie Price e suas três filhas.
Ambos iniciam um relacionamento conturbado, mas Byron encontra na família a oportunidade de deixar para trás a vida de skinhead. Porém, não será tão simples assim, já que para se tornar um homem “limpo” ele precisará trair a confiança dos seus amigos e entregar os líderes para o FBI.
Ficha Técnica
- Título original: Skin.
- Origem/Ano: Estados Unidos, Brasil, China, Canadá/2019.
- Direção: Guy Nattiv.
- Roteiro: Guy Nattiv.
- Produção: Siavash Aghaiepour, Oren Moverman, Guy Nattiv, Jaime Ray Newman, Celine Rattray e Trudie Styler.
- Fotografia: Arnaud Potier.
- Montagem: Lee Percy e Michael Taylor.
- Música: Dan Romer.
- Elenco principal: Jamie Bell (Byron Widner), Danielle Macdonald (Julie Price), Daniel Henshall (Slayer), Bill Camp (Fred Krager), Louisa Krause (April), Zoe Margaret Colletti (Desiree), Kylie Rogers (Sierra), Colbi Gannett (Iggy) e Mike Colter (Daryle Jenkins).
Curiosidades
Skin: À Flor da Pele foi exibido pela primeira vez no Festival Internacional de Toronto, no Canadá, em 8 de setembro de 2018. No Brasil estreou nos cinemas em 7 de janeiro de 2021.