Um filme B de terror e ficção científica, mas com orçamento mais generoso
A biologia define simbiose como uma associação entre dois seres na qual ambos os organismos recebem benefícios, ainda que em proporções desiguais. De certa forma essa explicação se aplica a uma grande parcela do cinema russo contemporâneo, e mais especificamente a este Estranho Passageiro: Sputnik.
Se por um lado os cidadãos russos convivem com governos autoritários, dispostos a sacrificar quantas vidas forem necessárias em nome da honra à pátria e do heroísmo, por outro o cinema local não tem nenhuma inibição em retratar esse comportamento, tornando as reações do exército russo – e principalmente dos seus comandantes – sempre previsível, no pior sentido possível. Um se utiliza do outro e todos saem ganhando em alguma medida.
Ficção científica, terror e suspense – e sem drama
Em Estranho Passageiro: Sputnik acompanhamos o retorno de dois cosmonautas à Terra. Minutos antes de tocarem o solo, ainda no espaço, eles avistam uma criatura misteriosa – e na sequência vemos que o desembarque na Terra resultou na morte de um deles.
Konstantin Veshnyakov (Pyotr Fyodorov) sobrevive, mas traz dentro de si uma estranha criatura, uma espécie de parasita/simbionte. Sem se lembrar do que exatamente aconteceu, o que preocupa os militares russos, o Coronel Semiradov (Fedor Bondarchuk) procura a psicóloga Tatyana Klimova (Oksana Akinshina). De métodos pouco convencionais – e com orgulho russo aflorado – ela topa contribuir para compreender o que está acontecendo, mas desperta ciúmes do cientista Yan Rigel (Anton Vasilev) com seus avanços no processo.
Dita assim, a sinopse mais se parece com a de um drama ou suspense, mas a escolha do diretor Egor Abramenko – que dirige o seu primeiro longa-metragem – é a de seguir pelo caminho da ficção científica, explorando a maneira como a criatura utiliza o corpo de Veshnyakov indo além de uma mera “hospedagem”, e do terror, cuja explicitude das cenas gore cresce à medida que o tempo passa.
Um filme B com orçamento mais generoso
Se as escolhas em si não são um problema – e o flerte com Alien: O Oitavo Passageiro deixa claro quais são as intenções do diretor -, infelizmente o filme esbarra na previsibilidade. Temos as tramas políticas marcadas, o gênio utilizado a serviço do mal, a vítima que se coloca acima de tudo e, claro, uma heroína durona capaz de virar o sistema de cabeça para baixo.
Desde o primeiro momento Tatyana é mostrada como uma mulher “dura”, julgada por utilizar métodos nada convencionais para salvar uma criança. A personagem interpretada por Oksana Akinshina (de Chernobyl: O Filme) se impõe em meio a um elenco completamente masculino de forma respeitável, mas o roteiro em si a coloca em situações dignas de um John Rambo, o que contribui para que as cenas de ações soem forçadas e canastronas.
O resultado é um cinema russo comercial ao gosto do Ocidente, mas sem muitos atrativos. Não há uma construção dramática que leve a um suspense real e muito se desenrola de uma maneira constrangedora – a cena em que Veshnyakov engana uma enfermeira/recepcionista é um bom exemplo disso: custa a crer que essa tenha sido a escolha naquele momento.
À medida que Tatyana descobre as verdades ocultas – e obriga os demais à sua volta a tomarem decisões que questionam seus propósitos -, o espectador também percebe que nada muito além do óbvio deve acontecer no tempo que resta do filme. Os desfechos, de todos os personagens, são os mais clichê possíveis e enfraquecem a produção, deixando no ar aquela sensação de “ah, é isso mesmo?”
Estranho Passageiro: Sputnik não é de todo ruim. De certa forma, entretém e esboça uma trama que melhor explorada poderia ser interessante. A falta de originalidade não deve ser um problema para o filme seguir carreira nos serviços de streaming, mas sua exibição nos cinemas brasileiros, especialmente levando-se em consideração uma estreia direto em VOD na própria Rússia, apenas comprova que se trata de um produto tipo “exportação”: a fórmula do cinema russo ocidentalizado, visto também em produções como O Guardião dos Mundos ou Anna: O Perigo Tem Nome.
Nota 6.
Sinopse
Konstantin Veshnyakov é o único cosmonauta russo sobrevivente depois de um enigmático incidente no espaço. Ao retornar à Terra ele descobre que na verdade trouxe consigo um alienígena como hospedeiro, uma criatura simbionte.
Disposto a salvar a vida de Veshnyakov para transformá-lo em um herói russo, o Coronel Semiradov recorre à psicóloga Tatyana Klimova para que ela faça uma avaliação do paciente e descubra uma forma de fazer com que ele volte à normalidade.
Ficha Técnica
- Título original: Sputnik.
- Origem/Ano: Rússia/2020.
- Direção: Egor Abramenko.
- Roteiro: Oleg Malovichko e Andrey Zolotarev.
- Produção: Aleksandr Andryushchenko, Alexander Andryushenko, Fedor Bondarchuk, Pavel Burya, Vyacheslav Murugov, Murad Osmann, Ilya Stewart e Mikhail Vrubel.
- Fotografia: Maxim Zhukov.
- Montagem: -.
- Música: Oleg Karpachev.
- Elenco principal: Oksana Akinshina (Tatyana Klimova), Fedor Bondarchuk (Coronel Semiradov), Pyotr Fyodorov (Konstantin Veshnyakov), Anton Vasilev (Yan Rigel) e Aleksey Demidov (Kirill Averchenko).
Curiosidades
Lançado diretamente em streaming na Rússia em 23 de abril de 2020. No Brasil, estreou nos cinemas em 21 de janeiro de 2021.