Somente boas intenções não são suficientes para contar uma história
Em um determinado momento de Um Crime em Comum, Cecilia (Elisa Carricajo), uma professora universitária, explica a dois alunos porque o projeto deles não está bom: falta metodologia, faltam referências e uma revisão teórica que comprove o pensamento dos autores. A cena em si não tem maiores consequências no desenrolar do filme, mas bem poderia ser um resumo do que se vê nesta produção argentina.
Segundo longa de ficção de Francisco Márquez, a produção se mostra bem-intencionada em suas premissas, com críticas válidas e pertinentes ao papel social que desempenhamos nos muitos contextos nos quais estamos inseridos. O problema é a maneira como o roteiro se desenrola, tornando um filme com pouco mais de 90 minutos monótono e sonolento.
A sociedade não é apenas o que está à nossa volta
Cecilia é uma professora universitária cuja vida parece estar bem encaminhada. Leciona disciplinas relacionadas à Economia, se prepara para um concurso que lhe dará mais respaldo acadêmico, tem um filho pequeno e uma diarista que frequenta a sua casa. Esse ecossistema em torno dela permite que mantenha o foco no trabalho, sem maiores preocupações.
A situação muda quando o filho de sua doméstica é assassinado pela polícia. O jovem Kevin (Eliot Otazo), que frequentava a sua casa, parece trazer com a sua morte a realidade para próximo daquela família, de um jeito que até então não parecia possível. O trauma provoca um choque em Cecília, que se vê cada vez mais amedrontada e desinteressada pela atividade que exerce.
O tema é bastante pertinente: como professora, ela conhece, como poucos, que números não são a única métrica para se atribuir sucesso e desenvolvimento. As preocupações com aspectos sociais, presentes em trechos de livros que ela lê, ilustram um pensamento consciente, ainda que deslocado da realidade. É somente quando um fato a confronta com o mundo real a sua volta que Cecilia desperta, ainda que com mais medo e angústia do que qualquer outra sensação.
Ritmo enfadonho e que não deixa perspectivas de conclusão
Se as premissas são válidas, o mesmo não se pode dizer da execução. Um Crime em Comum é um filme lento, com ritmo arrastado e que entedia. Os primeiros trinta minutos, dedicados à ambientação do espectador com a vida de Cecilia bem poderiam ser reduzidos em muito menos. Temos a sensação de acompanhar uma crônica em que nada acontece, “pescando” algumas dicas do que de fato se planeja mostrar.
Após a morte de Kevin, a produção até tenta conduzir a trama de maneira mais ágil, mas muitas das cenas simplesmente não funcionam. A ida de Cecilia à casa de Nebe (Mecha Martinez), após um momento de muita dor, revela-se uma mera formalidade com ações e gestos pouco convincentes, que não despertam interesse algum em perspectivas que possam se desenrolar.
Um Crime em Comum caminha para sua conclusão sendo inconclusivo em sua própria proposta: levanta o problema, ventila uma hipótese, mas de forma vaga não instiga o espectador nem sequer a questionar o que vê. Claro, a ideia pode ter sido a de refletir os próprios pensamentos de Cecilia, mas na prática nada funciona.
Longe da qualidade de grande parcela das produções do cinema argentino, Um Crime em Comum é um balão de ensaio, boas ideias colocadas em um papel, mas não desenvolvidas o suficiente para surtirem algum efeito. E não será essa a angústia de Cecília com seu papel no mundo? É certo que sim, mas há que se encontrar formas melhores de expressar isso no audiovisual.
Nota 4.
Sinopse
Cecilia é uma professora na área de economia que vive uma vida tranquila. Leciona, estuda, mora em uma boa casa e cuida do filho, Juan, com a ajuda da diarista Nebe.
Porém, quando o filho de Nebe, Kevin, é assassinado, ele se vê diante de uma outra realidade na qual seu trabalho e suas aspirações de crescer na carreira não fazem mais sentido. Ela sente medo e se fecha ainda mais em seu mundo – que agora não parece ter mais relevância.
Ficha Técnica
- Título original: Un Crimen Común.
- Origem/Ano: Argentina/2020.
- Direção: Francisco Márquez.
- Roteiro: Tomás Dwoney e Francisco Márquez.
- Produção: Luciana Piantanida.
- Fotografia: Federico Lastra.
- Montagem: Lorena Moriconi.
- Música: Orlando Scarpa Neto.
- Elenco principal: Elisa Carricajo (Cecilia), Mecha Martinez (Nebe), Eliot Otazo (Kevin), Ciro Coien Pardo (Juan) e Cecilia Rainero (Claudia).
Curiosidades
Um Crime em Comum foi exibido pela primeira vez no Festival de Berlin, na Alemanha, em 26 de fevereiro de 2020. No Brasil, estreou nos cinemas em 14 de janeiro de 2021.