A Sindicalista

A Sindicalista é um retrato cruel de um mundo machista nos bastidores do poder

A Sindicalista

O que você faria se de vítima de repente você fosse apontado como culpado? Desistiria de provar a inocência em busca de paz ou iria até as últimas consequências para limpar seu nome? A Sindicalista, filme francês dirigido por Jean-Paul Salomé (A Dona do Barato) mergulha nesse dilema, tomando como base uma história real.

Na produção, acompanhamos a história de Maureen Kearney (Isabelle Huppert), uma ativista sindical que decide lutar contra interesses de grandes empresários do setor nuclear. Após várias ameaças de morte, há uma invasão em sua casa e ela é amarrada e estuprada. Entretanto, aos olhos da justiça, não é possível comprovar o fato, o que resulta numa condenação por falsa comunicação de crime.

Baseado em uma história real, o filme dialoga com as duas possibilidades – a de que ela possa ter inventado a história e a de que o fato realmente tenha acontecido – e constrói um bom roteiro a ponto de, em alguns momentos, colocar o espectador em dúvida.

A Sindicalista

A Sindicalista e a voz da mulher

Ainda que o título A Sindicalista denote uma produção de cunho mais político, na prática o que vemos é um reflexo da sociedade que, infelizmente, pode ser visto todos os dias em diversas áreas. Mulheres fortes que ousem ir contra o status quo – leia-se “a opinião dos homens” – são desacreditadas, desencorajadas e passadas por loucas, antes mesmo de qualquer análise dos fatos.

Lutando para manter o emprego de cerca de 5 mil trabalhadores na França, Kearney compra briga com setores poderosos da sociedade, incluindo políticos, e a partir de então se vê envolvida em campanhas intimidatórias para desacreditar suas descobertas. Acordos ilegítimos e que lesam a pátria francesa ficam impunes e, claro, sobra para os trabalhadores.

Em termos cinematográficos, é interessante notar alguns aspectos. O primeiro deles é o da contraposição. Há pelo menos mais de uma situação na qual um homem tem ação/reação similar à de Maureen em algum contexto. Entretanto, enquanto ela é vista como desequilibrada, ele age em “legítima defesa após ser provocado”.

A Sindicalista

A condução deixa no ar: crime ou simulação?

O roteiro escrito pelo trio Fadette Drouard (Pacientes), Caroline Michel-Aguirre e o próprio Jean-Paul Salomé é eficiente em conduzir a trama de tal forma que, na metade do filme, surgem dúvidas plausíveis de que o fato tenha mesmo acontecido. Ainda que tudo leve a crer que houve um crime, a ideia é que o espectador se sinta no papel do acusador, que passa a questionar sua própria sanidade.

Essa condução me parece muito mais eficiente do que simplesmente relatar a história sob o ponto de vista de Maureen, pois, de fato, coloca o espectador em uma posição na qual ele deve tomar partido – e a pressão e as evidências de que não houve nada são tamanhas, que de fato nos questionamentos: será que o caso realmente ocorreu?

O “truque” narrativo funciona. Todavia, muito do mérito se deve ainda a atuação de Isabelle Huppert (A Professora de Piano). Ora se apresentando como uma mulher forte, ora como alguém que parece inconsciente das suas próprias ações, sua aparente impassibilidade diante dos fatos [Maureen raramente “desmorona”] cria uma personagem cativante.

A Sindicalista

Dando voz a quem não tem

Em uma das primeiras sequências do filme, Maureen Kearney se apresenta a um grupo de trabalhadores que questiona: “por que devemos acreditar em você como alguém que lutará por nossos direitos?” Como resposta ela diz que “não mente” e lutaria até o fim. Contudo, curiosamente, essa questão é levantada por uma mulher.

É também uma mulher, uma juíza, que, reproduz um discurso machista acerca da condução do caso, colocando em xeque mais uma vez a versão de Kearney. Não é por acaso que A Sindicalista as coloca nessas posições. A ideia aqui é mostrar que mesmo as mulheres, sejam elas menos letradas ou mais esclarecidas, também repetem os mesmos discursos, uma vez que o sistema como um todo os reforça.

Ainda que enquanto filme A Sindicalista não passe de um thriller sem muitos atrativos, a história na qual ele se baseia é poderosa o suficiente para cativar a nossa atenção e, ainda melhor, nos fazer refletir. Aqui, mais vale a mensagem e o contexto na qual se insere do que a proposta cinematográfica como um todo.

Seguir o caminho óbvio para melhor compreensão do público, por que não? Se entre as elites aparentemente os fins justificam os meios, não há problema algum lutar com as mesmas armas. Porém, desde que de uma forma benéfica, para espalhar uma mensagem de reflexão tão necessária como a que se apresenta.

Nota 7.

Sinopse

A história real de Maureen Kearney, uma representante sindical que denunciou acordos secretos e abalou a indústria nuclear francesa. Todavia, quando ela é violentamente agredida em casa, a investigação a transforma de vítima em suspeita.

Ficha Técnica

  • Título original: La Syndicaliste.
  • Origem/Ano: França, Alemanha, 2022.
  • Direção: Jean-Paul Salomé.
  • Roteiro: Fadette Drouard e Jean-Paul Salomé, baseado em livro de Caroline-Michel Aguirre.
  • Produção: Bertrand Faivre.
  • Fotografia: Julien Hirsch.
  • Montagem: Valérie Deseine e Ain Varet.
  • Música: Bruno Coulais.
  • Elenco principal: Isabelle Huppert (Maureen Kearney), Grégory Gadebois (Gilles Hugo), François-Xavier Demaison (Jean-Pierre Bachmann), Pierre Deladonchamps (Adjudant-chef Nicolas Brémont), Alexandra Maria Lara (Julie Depret), Gilles Cohen (Maître Hervé Témime), Aloïse Sauvage (Capitaine Chambard), Mara Taquin (Fiona Hugo), Yvan Attal (Luc Oursel) e Marina Foïs (Anne Lauvergeon).

Drama | Suspense | Assista nos cinemas

Curiosidades

A Sindicalista estreou no Festival de Cinema de Veneza, na Itália, em 2 de setembro de 2022. No Brasil, estreia nos cinemas em 29 de junho de 2023.

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